segunda-feira, 14 de março de 2016

13 - La strada




La Strada

Eis, aqui, a estrada
Caminho empedrado, gasto
Polido por viajantes peregrinos
Homens e mulheres
Descalços
Penitentes
Que ainda se atrevem a acreditar

Construção demoníaca do Homem inventor
A estrada em que acreditam não é esta que percorrem
Onde esfregam as dores,
Onde crescem calos e o sangue pinta e mancha e pragueja

Homem, grita e brada
Homem, chora
Homem, estás derrotado
Homem, verte no pavimento as lágrimas, as raivas
A doença, a fome, a guerra
A miséria mais miserável de todas as misérias
Homem, sente
Pisa com vigor todas as lajes da grande estrada por onde caminhas
Até te sangrar a pele
Até os olhos se cansarem
Até a alma quase se apagar
Homem, velho
Olha para tudo o que construíste, foi bem mais aquilo que destruíste
Homem, cansado
Eis, aqui, La strada
Caminho empedrado, gasto
Caminho autêntico
Caminho fingidor

Poeta
Viajante peregrino
Pensas o que sentes?
Ilusória sensação desconcertante
Eis aqui o teu amor errante
Amor impossível
Amor ausente

O poeta é verdadeiramente
um fingido(r)

12 - Comandante




Comandante

Antes era o Sol radioso quem comandava
Reino quente
Luminoso
Acolhe este teu servo, ó Sol
Acolhe o escravo lastimoso, embrutecido
Que outrora te serviu

Quão ruidosos são os silêncios que me consomem?
Descarnam-me
Enlouquecem-me
São chumbo, cinza, negros,
São cruéis degredos
Formas ilusórias capazes de assassinar

Ó Sol inclemente
Acolhe, de novo,
O escravo embrutecido
Que outrora te serviu

Beberei desse néctar jubiloso
Da radiante brancura vindimado
Sonho, branco, amor, esperança
Bendita a hora em que comandavas, quente e luminoso
O escravo, agora moribundo
Que outrora te serviu

Morte
Serás tu a morte, ó Sol?
Mascarado, vermelho, laranja, amarelo
Circular
Destróis o que antes aquecias
Conforme o Comandante decidiu

11 - Poemas




Poemas



Só me acontecem estas palavras soltas

Prefiro-as a coisa nenhuma



Desenho-as na folha

Nuvem branca

Página outrora desguarnecida

Como poderia eu deixá-las desaparecer?



Folhas

Só me chegam mensagens fúteis

Prefiro-as a coisa nenhuma

Colo-as na branca nuvem

Página outrora desabitada

Como poderia eu deixá-las esmorecer?



Perdi tempo

Perdi o tempo que tive

Outrora

Algures

E nada aconteceu

Poemas soltos

Folhas vazias

Consumidas em éter dissolvente

Dolente

Que me mantém adormecido

Desaparecido

Camuflado

Algures

Sem acontecer


10 - Mentira




Mentira

Nego
Quem sou?
Tudo o que sou
Nego
O que sinto?

Dentro do meu peito
Minto
Mentiras feitas
Pedaços soldados
De mim
Mostram este outro que não sou

Clausura
Camuflagem
Floresta vasta
Mimetizado na densa vegetação
Sobrevivo
Agora, de novo
Mergulho nas águas mornas do rio que me ensina